Andre-anz

O cântaro e eu Certo cântaro está cheio de água. O musgo que o cobre fá-lo lembrar que um dia, há muitas muitas décadas, a sua moldura esguia e a tonalidade vítrea atraiam as atenções de quem estava habituado a percorrer maratonas colina abaixo, colina a cima. A madrugada trazia o reflexo de uma linha recortada pelo vale que mais parecia um relâmpago amordaçado pela própria natureza: a ribeira. Corria uma era de simbiose exemplar entre os aldeões e o ambiente que os acolhia, protagonizada por personagens há muito esquecidas. Afastado do seu tempo por um acidente semp

A visita Um dia a Morte, cansada do seu turno enfadonho, apareceu em praça pública para se divertir um bocado. A um conjunto de homens foi dada a oportunidade de saber, num determinado momento futuro à sua escolha, qual o estado da sua vida, com a condição de terem que saber a data precisa da sua morte. Três deles aceitaram o desafio. O primeiro, um gestor recém licenciado, pediu para lhe ser dito como estaria dali a vinte anos. Ficou impressionado com a mudança incrível que a sua vida iria sofrer. Estaria divorciado da mulher, mas uma subida na carreira permitiria-lhe ser respeitado como uma figu

Barco sem leme Certo dia envelhecia... E lancei o meu barco de papel Sem leme, pela ribeira, sem cordel Mas a ribeira brava se dividia Em dois riachos, corrente fria E o barco ficou preso Na roseira maldita Na ribeira brava Que em dois riachos se dividia E o dia envelhecia... O barco sem leme estremecia Agitava-se, revoltava-se em agonia Tinha dois riachos e não podia Cravado nos espinhos Decidir por onde ia... Um riacho corria estreito e furioso Orientado por um destino tenebroso O outro mais calmo e ocioso Livre, inconsciente e juncoso Se tivesse um leme ele saberia Mas o barco de papel só estremecia E não podia, sem leme D

Era uma noite de Inverno especialmente atroz e a neve cobria imponente e sem clemência toda a vila. Os autocarros circulavam com medo e atolados de gente que transpirava um vapor denso. Pareciam sanguessugas, rastejando lentamente na película vítrea que cobria as ruas de pedra batida. Um desses bichos estancou em frente a uma biblioteca, onde uma rapariga com um poderoso sobretudo de pêlo branco espesso e volumoso esperava. Ao entrar enrolou o cachecol e correu visualmente cada assento metálico forrado a calor. Todos os lugares estavam ocupados menos um ao lado de um rapaz, que entre o sono e a realidade tossia ligeir